terça-feira, 27 de abril de 2021

DECRETO ALTERA DEFINIÇÃO DE AGRICULTOR FAMILIAR

 

O decreto nº 10.688, de 26/04/2021 altera o decreto nº 9.064 de 2017, que dispõe sobre unidades familiares de produção agrária e altera os conceitos de empreendimento familiar rural, cooperativa singular da agricultura familiar, cooperativa central da agricultura familiar e associação da agricultura familiar.

O EMPREENDIMENTO FAMILIAR RURAL, vinculado à Unidade Familiar de Produção Agrária (UFPA), deve ser “instituído por pessoa jurídica e constituído com a finalidade de produção, beneficiamento, processamento ou comercialização de produtos agropecuários, ou ainda para prestação de serviços de turismo rural, desde que formado exclusivamente por um ou mais agricultores familiares com inscrição ativa no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF).

A Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) será substituída pelo CAF (quando este estiver totalmente implementado) “para fins de acesso às ações e às políticas públicas destinadas à UFPA, aos empreendimentos familiares rurais e às formas associativas de organização da agricultura familiar. ”

Com esse novo decreto, foram alterados os percentuais mínimos exigidos para um empreendimento familiar rural apresentar-se como tal. Anteriormente era exigido o percentual mínimo de 60% agricultores familiares com inscrição ativa e agora esse percentual foi reduzido para 50%

sexta-feira, 23 de abril de 2021

A Agroecologia não é, não deve e não precisa ser tudo

 Francisco Roberto Caporal
20/07/2017


 

Morreu em 23/04/2021 Francisco Roberto Caporal, um dos mais importantes pensadores brasileiros da Agroecologia.

Em sua homenagem reproduzimos um pequeno texto dele que foi publicado na página do Núcleo de Agroecologia e Campesinato (http://www.radiowebagroecologia.com.br/pagina-inicial) onde ele retoma um tema que lhe era caro: o que devemos realmente considerar como Agroecologia para além dos modismos e simplificações.

Suas importantes contribuições permanecem inspirando as novas gerações de pessoas que se interessam pelo tema.

 

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É lamentável, para não dizer triste, a enorme confusão que a chamada “militância técnica”1 da agroecologia vem fazendo ao longo do tempo. E está cada vez pior, pois a cada dia “nascem” das pedras dezenas de agroecólogos. Alguns chegam a dizer que aprenderam “na prática”, enquanto outros dizem que leram a cartilha de técnicas orgânicas. Pelo amor de Deus!

No início dos anos 2000, meu colega Costabeber (falecido) e eu, já tratávamos de advertir sobre os equívocos que vinham ocorrendo no campo da Agroecologia. Passados 17 anos, as coisas só pioraram. Por má fé ou por ignorância, a palavra Agroecologia é usada para qualquer coisa, para qualquer objetivo, por mais que este seja apenas viabilizar uma boa venda de produtos. Usar a palavra Agroecologia virou moda, como ocorreu com desenvolvimento sustentável – expressão que já não diz nada quando pretende dizer tudo. Entre os alertas que fazíamos no início dos anos 2000, era destacada a necessidade de levar-se em conta, nos processos de transição agroecológica, as seis dimensões da sustentabilidade: ambiental, econômica, social, cultural, política e ética. Caso contrário, poderíamos caminhar para agriculturas orgânicas convencionalizadas, baseadas em monoculturas e na substituição de insumos. Parece que este foi o caminho prioritário da “militância técnica”, com todos seus equívocos.

O primeiro grande equívoco, que talvez seja a raiz de toda a confusão, foi achar que Agroecologia e agricultura sem veneno é a mesma coisa. Agricultura sem veneno pode nem mesmo ser ecológica ou orgânica. Decorre daí o passo seguinte, que foi achar que agricultor pobre, que não usa agrotóxicos porque não tem dinheiro, é, automaticamente, um agricultor agroecológico. Muitos desses agricultores foram carimbados pelas assessorias “militantes” e até passaram a se autodeclarar, equivocadamente, agroecologistas ou agricultores ecológicos. As feiras estão cheias deles.

Este rolo conceitual se multiplica por culpa da “militância técnica agroecológica”. É ela a responsável por rotular os agricultores como agroecológicos, quando isso seria absolutamente desnecessário. Também é ela a responsável pela confusão que denomina feira agroecológica, feira orgânica ou feira ecológica, tudo como sinônimos. A “militância técnica”, não toda ela, mas aquela malformada e mal informada cria tanta confusão que acaba confundindo a cabeça de agricultores que antes sabiam bem o que eram (tinham uma identidade) e agora devem passar a ser algo mais e incorporar algo novo na sua cultura, inclusive reproduzindo em suas falas o discurso da “militância técnica agroecológica”, que decerto achou que eles não merecem ter autonomia.

Do mesmo modo, foi a “militância técnica” que disse que famílias que receberam cisternas ou famílias que usam sementes crioulas, para citar dois de dezenas de equívocos nesta linha, são famílias que se orientam pelos princípios da Agroecologia. Não faz queimadas, é agroecologista. O mesmo vale para outras práticas de convivência com o semiárido. Na verdade, pode tratar-se apenas da adoção de práticas de convivência ou de agricultura tradicional, o que é louvável, mas que não quer dizer que isso envolva a Agroecologia. Aliás, arrisco a afirmar que a maioria das famílias que receberam as tais “tecnologias sociais” (outro invento conceitual equivocado) nunca antes haviam pensado na tal da Agroecologia, até que os “militantes técnicos” pisassem em seus terrenos ou em suas comunidades, promovendo reuniões de “difusão verde” no velho modelo extensionista.

Aliás, fazendo um parêntesis, o difusionismo voltou com força. O que mudou foi o conteúdo. Se antes a ação dos extensionistas do estado (duramente criticada pela “militância técnica agroecológica”) era para difundir as tecnologias da revolução verde, dos agroquímicos e sementes transgênicas, agora os técnicos de OGs e de ONGs se empenham para difundir as tecnologias mais verdes, ainda que nem sempre ecológicas. Estamos vendo uma absurda “difusão agroecológica”. De todo modo é difusão, é invasão cultural, como dizia Paulo Freire. Trata-se de uma educação bancária do verde. O que é lamentável! Foram inventadas até as tais de “oficinas de concertação” ou os “intercâmbios técnicos”, para não chamar de difusão.

O que estou querendo dizer, com estes poucos exemplos, é que a Agroecologia não precisa virar moda, até porque ela não é uma moda. A Agroecologia não precisa ser TUDO e nem precisa tocar tudo para que vire ouro.

Vamos simplificar: quem não sabe o que é a Agroecologia procure se informar, trate de estudar, sair do puro empirismo e do achismo. A Agroecologia, repetimos pela enésima vez, é uma ciência e se não for entendida como tal propicia inúmeros equívocos e ações “militantes” que podem até ter boas intenções, mas que só servem para gerar mais confusões ou, no limite, para levar agricultores à ilusão de que com a Agroecologia eles vão resolver todos os seus problemas. Isso, de início, é uma mentira, uma enganação.

Por fim, mais um alerta. Paira entre nós, em especial entre a “militância técnica”, a ideia de que todos os agricultores devem empenhar-se para fazer a transição agroecológica em suas unidades de produção. Não sei de onde tiraram isso! Vejamos. Se a transição agroecológica é uma estratégia de mudança/transformação nas dimensões ambiental, econômica, social, política, cultural e ética da sustentabilidade para se avançar na direção de agriculturas mais sustentáveis, é provável que muitos agricultores/famílias e suas unidades de produção estejam mais próximos dessas condições socioambientalmente mais sustentáveis do que aquelas que possam ser alcançadas por processos de transição tecnicamente dirigidos.

O inverso é verdadeiro. Dizer que os indígenas, quilombolas e outros grupos sociais “sempre fizeram Agroecologia” é um enorme equívoco e, inclusive, pode ser um insulto aos sues modos de vida e elementos de cultura que determinaram ou influíram nas suas decisões sobre como relacionar-se com a natureza. Muitos destes povos foram além do que hoje buscamos com a Agroecologia que é recolocar nos trilhos o processo de coevolução homem-natureza que foi rompido pela revolução industrial, pelo capitalismo e por seus tentáculos no mundo rural, através da modernização com seus pacotes técnicos da revolução verde.

Dito isso, proponho, sem querer ser arrogante, que façamos um acordo. Abandonemos a ideia de que a Agroecologia é a panaceia iniciada no século XX e que vai resolver todos os problemas dos agricultores do século XXI. Tratemos a ela simplesmente como uma ciência. Com certeza vai dar mais certo e não criaremos tanta confusão na cabeça de tanta gente.
Para aqueles que não entenderam o que estamos tentando dizer, sugerimos que leiam outros textos disponíveis em http://frcaporal.blogspot.com.br.

Saudações agroecológicas



1 Entendemos por “militância técnica agroecológica” aqueles profissionais, de qualquer ou sem qualquer formação acadêmica que atuam como difusores de tecnologias mais verdes, de pacotes de técnicas de produção orgânica, ou, simplesmente de insumos que possam substituir os agroquímicos da agricultura convencional. Quando se faz referência, neste texto, à “militância técnica”, não estamos fazendo referência a todos os agentes de ater, de ensino e de pesquisa que atuam com agricultores, mas sim nos referimos aos voluntaristas, que mesmo sem saber o que é Agroecologia, se assumem como difusores de algo que lhes parece ser ou que ouviram dizer que é agroecológico.