Francisco Roberto Caporal
20/07/2017

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Morreu em 23/04/2021 Francisco
Roberto Caporal, um dos mais importantes pensadores brasileiros da
Agroecologia.
Em sua homenagem reproduzimos
um pequeno texto dele que foi publicado na página do Núcleo de Agroecologia e
Campesinato (http://www.radiowebagroecologia.com.br/pagina-inicial) onde ele
retoma um tema que lhe era caro: o que devemos realmente considerar como Agroecologia
para além dos modismos e simplificações.
Suas importantes contribuições permanecem
inspirando as novas gerações de pessoas que se interessam pelo tema.
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É lamentável, para não dizer
triste, a enorme confusão que a chamada “militância técnica”1 da agroecologia
vem fazendo ao longo do tempo. E está cada vez pior, pois a cada dia “nascem”
das pedras dezenas de agroecólogos. Alguns chegam a dizer que aprenderam “na
prática”, enquanto outros dizem que leram a cartilha de técnicas orgânicas.
Pelo amor de Deus!
No início dos anos 2000, meu colega Costabeber (falecido) e eu, já tratávamos
de advertir sobre os equívocos que vinham ocorrendo no campo da Agroecologia.
Passados 17 anos, as coisas só pioraram. Por má fé ou por ignorância, a palavra
Agroecologia é usada para qualquer coisa, para qualquer objetivo, por mais que
este seja apenas viabilizar uma boa venda de produtos. Usar a palavra
Agroecologia virou moda, como ocorreu com desenvolvimento sustentável –
expressão que já não diz nada quando pretende dizer tudo. Entre os alertas que
fazíamos no início dos anos 2000, era destacada a necessidade de levar-se em
conta, nos processos de transição agroecológica, as seis dimensões da
sustentabilidade: ambiental, econômica, social, cultural, política e ética.
Caso contrário, poderíamos caminhar para agriculturas orgânicas
convencionalizadas, baseadas em monoculturas e na substituição de insumos.
Parece que este foi o caminho prioritário da “militância técnica”, com todos
seus equívocos.
O primeiro grande equívoco, que
talvez seja a raiz de toda a confusão, foi achar que Agroecologia e agricultura
sem veneno é a mesma coisa. Agricultura sem veneno pode nem mesmo ser ecológica
ou orgânica. Decorre daí o passo seguinte, que foi achar que agricultor pobre,
que não usa agrotóxicos porque não tem dinheiro, é, automaticamente, um
agricultor agroecológico. Muitos desses agricultores foram carimbados pelas
assessorias “militantes” e até passaram a se autodeclarar, equivocadamente,
agroecologistas ou agricultores ecológicos. As feiras estão cheias deles.
Este rolo conceitual se multiplica
por culpa da “militância técnica agroecológica”. É ela a responsável por
rotular os agricultores como agroecológicos, quando isso seria absolutamente
desnecessário. Também é ela a responsável pela confusão que denomina feira
agroecológica, feira orgânica ou feira ecológica, tudo como sinônimos. A “militância
técnica”, não toda ela, mas aquela malformada e mal informada cria tanta
confusão que acaba confundindo a cabeça de agricultores que antes sabiam bem o
que eram (tinham uma identidade) e agora devem passar a ser algo mais e
incorporar algo novo na sua cultura, inclusive reproduzindo em suas falas o
discurso da “militância técnica agroecológica”, que decerto achou que eles não
merecem ter autonomia.
Do mesmo modo, foi a “militância
técnica” que disse que famílias que receberam cisternas ou famílias que usam
sementes crioulas, para citar dois de dezenas de equívocos nesta linha, são
famílias que se orientam pelos princípios da Agroecologia. Não faz queimadas, é
agroecologista. O mesmo vale para outras práticas de convivência com o
semiárido. Na verdade, pode tratar-se apenas da adoção de práticas de
convivência ou de agricultura tradicional, o que é louvável, mas que não quer
dizer que isso envolva a Agroecologia. Aliás, arrisco a afirmar que a maioria
das famílias que receberam as tais “tecnologias sociais” (outro invento
conceitual equivocado) nunca antes haviam pensado na tal da Agroecologia, até
que os “militantes técnicos” pisassem em seus terrenos ou em suas comunidades,
promovendo reuniões de “difusão verde” no velho modelo extensionista.
Aliás, fazendo um parêntesis, o
difusionismo voltou com força. O que mudou foi o conteúdo. Se antes a ação dos
extensionistas do estado (duramente criticada pela “militância técnica
agroecológica”) era para difundir as tecnologias da revolução verde, dos
agroquímicos e sementes transgênicas, agora os técnicos de OGs e de ONGs se
empenham para difundir as tecnologias mais verdes, ainda que nem sempre
ecológicas. Estamos vendo uma absurda “difusão agroecológica”. De todo modo é
difusão, é invasão cultural, como dizia Paulo Freire. Trata-se de uma educação
bancária do verde. O que é lamentável! Foram inventadas até as tais de
“oficinas de concertação” ou os “intercâmbios técnicos”, para não chamar de
difusão.
O que estou querendo dizer, com
estes poucos exemplos, é que a Agroecologia não precisa virar moda, até porque
ela não é uma moda. A Agroecologia não precisa ser TUDO e nem precisa tocar
tudo para que vire ouro.
Vamos simplificar: quem não sabe o
que é a Agroecologia procure se informar, trate de estudar, sair do puro
empirismo e do achismo. A Agroecologia, repetimos pela enésima vez, é uma
ciência e se não for entendida como tal propicia inúmeros equívocos e ações
“militantes” que podem até ter boas intenções, mas que só servem para gerar
mais confusões ou, no limite, para levar agricultores à ilusão de que com a
Agroecologia eles vão resolver todos os seus problemas. Isso, de início, é uma
mentira, uma enganação.
Por fim, mais um alerta. Paira
entre nós, em especial entre a “militância técnica”, a ideia de que todos os
agricultores devem empenhar-se para fazer a transição agroecológica em suas
unidades de produção. Não sei de onde tiraram isso! Vejamos. Se a transição
agroecológica é uma estratégia de mudança/transformação nas dimensões
ambiental, econômica, social, política, cultural e ética da sustentabilidade
para se avançar na direção de agriculturas mais sustentáveis, é provável que
muitos agricultores/famílias e suas unidades de produção estejam mais próximos
dessas condições socioambientalmente mais sustentáveis do que aquelas que
possam ser alcançadas por processos de transição tecnicamente dirigidos.
O inverso é verdadeiro. Dizer que
os indígenas, quilombolas e outros grupos sociais “sempre fizeram Agroecologia”
é um enorme equívoco e, inclusive, pode ser um insulto aos sues modos de vida e
elementos de cultura que determinaram ou influíram nas suas decisões sobre como
relacionar-se com a natureza. Muitos destes povos foram além do que hoje
buscamos com a Agroecologia que é recolocar nos trilhos o processo de coevolução
homem-natureza que foi rompido pela revolução industrial, pelo capitalismo e
por seus tentáculos no mundo rural, através da modernização com seus pacotes
técnicos da revolução verde.
Dito isso, proponho, sem querer
ser arrogante, que façamos um acordo. Abandonemos a ideia de que a Agroecologia
é a panaceia iniciada no século XX e que vai resolver todos os problemas dos
agricultores do século XXI. Tratemos a ela simplesmente como uma ciência. Com
certeza vai dar mais certo e não criaremos tanta confusão na cabeça de tanta
gente.
Para aqueles que não entenderam o que estamos tentando dizer, sugerimos que
leiam outros textos disponíveis em http://frcaporal.blogspot.com.br.
Saudações agroecológicas
1
Entendemos por “militância técnica agroecológica” aqueles profissionais, de
qualquer ou sem qualquer formação acadêmica que atuam como difusores de
tecnologias mais verdes, de pacotes de técnicas de produção orgânica, ou,
simplesmente de insumos que possam substituir os agroquímicos da agricultura convencional.
Quando se faz referência, neste texto, à “militância técnica”, não estamos
fazendo referência a todos os agentes de ater, de ensino e de pesquisa que
atuam com agricultores, mas sim nos referimos aos voluntaristas, que mesmo sem
saber o que é Agroecologia, se assumem como difusores de algo que lhes parece
ser ou que ouviram dizer que é agroecológico.