Enredo
“Xingu, o clamor que vem da Floresta”, da Escola de Samba Imperatriz
Leopoldinense, fala sobre luta pela terra
Enredo é tudo que o
agronegócio não quer ouvir, por Alan Tygel
Há
alguns meses, publicamos neste espaço um artigo sobre a
tentativa desesperada do agronegócio em salvar sua imagem perante a sociedade
com a novela O Velho Chico. Na ocasião, afirmamos que o investimento na novela
tentava construir a imagem de um agro-pop-tudo em oposição ao velho
coronelismo. A motivação para esse esforço veio de uma percepção do próprio
agronegócio de que a sociedade o associa ao desmatamento, aos agrotóxicos e ao
trabalho escravo.
Em
2012, o mesmo agronegócio, representado pela Basf, comprou o samba da Vila
Isabel. O (lindo, por sinal!) enredo, que tinha Martinho da Vila como um dos
autores, não era sobre os agrotóxicos e transgênicos produzidos pela empresa,
mas sim sobre a vida camponesa cumprindo sua missão de alimentar o povo. Por
trás, havia a tentativa subliminar de associar esta linda imagem ao
agronegócio.
Neste
ano, é da mesma Sapucaí que vem um belo golpe na imagem do agronegócio. Depois
de um ano marcado, entre outros, por ruralistas formando milícias para
atacar indígenas, a Imperatriz Leopoldinense acerta com beleza e elegância o
ego daqueles que se acham donos do país.
Um
dos trechos diz que “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as
matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”, e emoldura alas
como os "Olhos da cobiça", "Chegada dos invasores" e
"Fazendeiros e seus agrotóxicos".
Acostumados
a olhar apenas para o próprio umbigo, sem enxergar um palmo além da sua soja
transgênica, ruralistas irados lançam notas e escrevem matérias a torto e a
direito. Por mais que se procure, sempre batem nos mesmo dois argumentos
falaciosos: (1) o agronegócio alimenta o Brasil; (2) o agronegócio sustenta o
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O
primeiro argumento é o mais débil de todos; sabemos que a grande massa de
produção agrícola se concentra nas commodities de
exportação (soja, milho para ração, cana-de-açúcar), e o Censo Agropecuário de
2006 mostrou que 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa vêm da agricultura
familiar, mesmo tendo ela direito à apenas 24% das terras. Portanto, esse
argumento é claramente falacioso.
Em
relação ao PIB, a análise é um pouco mais profunda, mas o argumento não é menos
falacioso. Em primeiro lugar, precisamos entender que o PIB representa o
conjunto de riquezas produzidas pelo país. Não fala sobre distribuição de
renda, nem geração de empregos. Não se importa no bolso de quem essa riqueza
vai parar. Pois bem: em 2015, a produção de soja rendeu ao Brasil R$90 bilhões.
Ótimo? Nem tanto. Como vimos recentemente, a
enorme dependência de insumos externos do agronegócio faz com que grande parte
deste valor fique nas mãos das empresas transnacionais. Custos com sementes,
agrotóxicos, fertilizantes e máquinas podem chegar a 90% do preço final, num
mercado completamente oligopolizado por gigantes transnacionais como Bayer,
Monsanto, Cargill, Basf, Syngenta, Bunge, Dreyfus, ADM… Nem no Brasil o
dinheiro fica.
Não
custa lembrar que o subsídio do governo no Plano Safra chegou à casa dos R$ 200
bilhões no ano passado, só para o agronegócio. É transferência direta do
governo para as transnacionais, e ainda dizem que isso sustenta o PIB. Como
nota de rodapé, poderíamos incluir ainda que o agronegócio não gera empregos:
são apenas 1,7 pessoas por 100 hectare (ha), enquanto a agricultura familiar
emprega 9 vezes mais: 15,3 pessoas por 100 ha. Entre 2004 e 2013, o agronegócio
reduziu 4 milhões de empregos, ou 22% do total. No mesmo período, o desemprego
no Brasil caiu de 11,7% para 4,3%.
Que
chorem os plantadores de soja, criadores de zebu e especuladores da fome: o
Carnaval de 2017 já tem vencedor, e somos nós: povos indígenas, quilombolas,
camponeses, sem terra, do campo, das florestas e das águas, todas e todos que
lutam por seus territórios sadios contra o agronegócio.
Todo
nosso respeito à Imperatriz Leopoldinense.